A voz dos bloggers
A tua voz, velada, com os ditongos abertos, a tua voz lisa como a tua escrita foi a excepção, a única excepção. Só tu não tinhas nickvoice. Tudo o resto era literatura.
sent by// Silvano
Enquanto é noite, e enquanto ela cá está, vale a pena sempre vale a pena.
Recebeu uma mota no dia de anos. 18 anos. Foi direito à casa dela, confiava na surpresa do efeito de Doppler. Mas os seus olhos nem o viram e bem pouco a Harley-Davidson, novinha em folha. O outro, o rival, rondava já a casa, chegou primeiro e mais convincente, um descapotável [*] fabuloso, com três faróis dianteiros e um roncar imbatível. Nem um nem outro, nenhum, no fim quem a levou (e à mãe, viúva, foi o que correu na altura) foi o venezuelano, sorriso de dente de ouro e promessas de viagens. Consta que se ficou por Lisboa. Não souberam mais dela.
O post que vinga duas gerações de jovens românticos humilhados. Jamiroo, depois dessa ficas definitivamente com o pelouro da educação sentimental. A propósito: No Botânico é sinistro. No Choupal, soturno. No banco de trás do descapotável, snob. No Observatório, arriscado. Na estrada de Penacova, fora de mão. Nos campos do Mondego, excessivamente bucólico. No miradouro sobre a Sé Velha, com paisagem a mais. No jardim do Seminário Maior, intimidatório. No Pátio interior do Colégio de S. Jerónimo, doentio. Na varanda do Instituto Justiça e Paz, sublime.
Ontem fui outra vez ao Parque. Ouvi as conversas. Eles aceitam-me se eu não der nas vistas e talvez as gajas achem mistério no meu silêncio. Falavam do filme do Jarmusch. Uma gaja disse que eu era parecido com o Bill Murray. Porquê, parece sempre estar a pedir para o esconderem do patrão, perguntou outra. Não, parece é capaz de beber o café pela cafeteira, riram-se todas. O meu amigo bateu-me nas costas e quando os risos pararam disse: Se o gajo é parecido com alguém é com o Tom Waits. Já no Secundário tinhas o cabelo assim, não era, chapa. E eles concordaram todos, com gravidade, que eu era mais o Tom Waits e com uma ponta de orgulho senti que já fazia parte daquele grupo. Depois levantei-me e passei pela zona escura. Pensei: É aqui que a noite espalha o seu silêncio vegetal. A seguir pensei no que queria da vida. O que eu queria era fazer o inter-rail.
Mário, obrigado pelas indicações, encontrei o seu carro facilmente.Era como dizia. O gajo estava descalço, com os joelhos encostados ao queixo e a cabeça atirada para trás. Mas você não viu tudo ou não quis ver. A mulher parecia uma estátua que tivessem moldado no corpo dele. Para cada dobra dele ela tinha uma saliência. E a lagarta. Como diabo foi aquilo lá parar. Chamei a polícia. Você tem razão Mário. Você é arraia miúda e isto vai sobrar para você.
Ontem ela veio, a Rosete. Tenho visto que as mulheres vêm geralmente quando as não esperamos. Vêm silenciosas ao fim de tarde. Vêm de manhã, no caminho da venda. Na hora do calor, com o sacho ao ombro. Se queremos que venham não devemos esperar por elas. É uma coisa fácil de fazer, desde que se perceba e tenha tempo. Eu agora tenho tempo para esperar o que não espero. E foi assim que vi chegar a Rosete ao toque distante das vésperas. Trazia uma saia curta, muito curta, de viscose prateado eléctrico. E uma blusa de tiras. Uma tira de tecido, outra da sua pele acetinada. Aproximou-se do muro e disse-me uma palavra sussurrada. Fingi não ouvir, mas não era o meu nome. O meu nome é Jammes, assim me chamam por aqui. Ela chamou-me diabo, mas não posso jurar porque foi só um nome sussurrado. Fui ter com ela. Queria dar um passeio até à cumeada, onde se vê, lá em baixo, longe, o terreiro das festas do Verão. Abaixei-me para ela e a Rosete montou-me à amazona. Era a primeira vez e caminhei devagar, levantando bem as patas, sacudindo-as levemente a cada passo. Não devia mostrar qualquer perturbação. Também isto sei fazer. Ela mexia-se ao sabor da minha ondulação e eu sentia a tensão da viscose e depois a doçura da perna dela ao longo do meu flanco. Cimeiro ao vale parei. Ela segurou o meu pescoço e montou-me à cavaleiro, uma perna para cada lado, com pressão dos joelhos. Fiquei imóvel, todos os corpúsculos que em mim sentem se tinham deslocado para o dorso. Sabia que qualquer coisa iria acontecer e que não devia mexer-me. Então a Rosete debruçou-se sobre o meu pescoço e deitou a face naquele espaço que tenho entre as orelhas. E disse outra vez, muitas vezes, o meu nome.
Anunciado há algum tempo a Relógio D'Água publicou finalmente uma nova edição do romance de Nemésio. Sessenta anos depois da primeira edição, cuja capa aqui se reproduz e exactamente um ano após Bonirre, o peregrino, ter visto sair do veleiro Acédia uma mulher pálida possuída de emesis incoercível. Essa visão fê-lo esquecer-se da procura da autora de Invisíveis, tornada agráfica. Em contrapartida a descoberta de Margarida valeu-lhe a noite inesquecível na furna do Pico, onde se firmou o pacto inquebrantável entre os pescadores de baleia e a pequena aristocracia das ilhas do Centro. Esta edição é prefaciado por João Miguel Fernandes Jorge e o preço de capa é de 15 Euros.
É difícil fazer um post decente com a cara nos joelhos, na mala de uma Mercedes beige.
Nesse mesmo dia fiz os exames que o homem achou convenientes e saí do consultório com a borboleta e a lagarta, esta já em segundo plano. Na rua senti que olhavam para mim com curiosidade. Quando levava a mão ao olho lá estava, a asa da borboleta numa agonia. Assim exibindo a minha condição de espasmofílica regressei a casa e ao trabalho.É agora altura de lhe falar no senhor Adalberto. Foi meu marido e é meu patrão. Mantém-se afastado do escritório. Mas é ele quem conhece os mercados e as tendências. Por vezes está na China onde agora tem a fábrica. Fechámos em Constança e deslocalizámo-nos para o sul da China por causa dos custos da mão-de-obra. Vivemos dois anos relativamente bem até ele se convencer que um cliente me dedicava uma simpatia excessiva e de o ter metido na mala do carro e deixado à porta da casa dos meus pais, muito maltratado. Separámo-nos. Não podia aceitar aquilo nem voltar a olhar os meus pais de frente. Mas nessa altura já dominava o sector de vendas e ele pediu-me para continuar no escritório. Ele é um homem bom para mim e eu acedi, contra a opinião da minha amiga e da minha família. O senhor Adalberto passou a marcar-me à zona. Tornou-se numa espécie de protector. Os rapazes que se interessam por mim desaparecem misteriosamente. É geralmente o meu rosto quem lhe anuncia a minha vida sentimental. Uma ruga na testa, e ele: Quem é? Se lhe digo o nome do rapaz que me alvoroça o coração nunca mais o torno a ver. Uma cor mais desmaiada e logo: Precisa de alguma coisa Cilinha? Se me queixo, lá fico sozinha por uma temporada. Habituei-me a isto e aos espaços de liberdade que as ausências me propiciam. Ao pé da sombra sazonal dele a companhia da lagarta é quase uma bênção.Acompanhe-me só mais uns minutos e verá que faz sentido o que lhe conto e que o faço no seu interesse, sobretudo. Ora não lhe disse que o último médico que consultei, me disse haver cura para o espasmo do olho. Ele próprio infiltra na pálpebra uma substancia que a paralisa, impedindo assim o tremor. Assim foi que no princípio da semana compareci na Clínica para o tratamento. Alguma coisa deve ter corrido mal, ou é mesmo assim e só nos apercebemos tarde de mais. Saí de lá com o olho negro e a metade direita da face paralisada. Comprei uns óculos enormes. Se me rio o canto da boca permanece caído. Quando me viu perguntou-me : quem te pôs nesse estado. A voz tremia-lhe de raiva e indignação. E nessa altura, nem sei bem porquê, disse-lhe o seu nome. Não sabia nada de si. Ignorava as suas proezas semi-literárias, o que escreveu de mim e da lagarta. Saiu-me o seu nome e foi o seu nome que ele fixou. Espero que entenda uma situação que eu própria não sei explicar. Não se esqueça. O nome dele é Adalberto. Tem uma carrinha Mercedes beige e às vezes anuncia-se com o nome de família.
Hesitei em escrever-lhe e nem sei bem porque o faço. Fiquei surpreendida quando uma amiga me disse que a minha lagarta andava nos blogs. Quando fui ler, facilmente cheguei a si. Não gostei. Roubou-me qualquer coisa que não lhe quis dar. E não foi bem a lagarta. Li de novo e percebi que o que escreveu está cheio de falsidades e imprecisões. A minha amiga disse-me que era semi-ficção e que o blog é um lugar semi-privado. Mas esta minha amiga deu ultimamente para me confortar muito, e nem sempre com a verdade. Ainda com a confusão por assentar, decidi escrever-lhe. Envio o mail para a sua empresa, com o seu nome. Ficará tudo assim no domínio semi público.
Agora ela só vê a lagarta de manhã, mal abre os olhos. Quando se debruça no lavatório e faz aquela careta com que avalia as rugas das comissuras, das pálpebras inferiores. E a lagarta flutua preguiçosa no espelho. Quando se senta a tomar o pequeno almoço. E a lagarta ondula sobre a buganvília. Depois, durante o dia, tornou-se tudo mais suportável. Mas ontem, aquele cliente irritou-a tanto que ela franziu os olhos e deixou de ver a sua cara inexpressiva de negociante import-export para só ver o verme insignificante, translúcido, coleante, em movimentos de focagem-desfocagem. E mais que o bicho o seu par espantoso. Eu, como sabem.
No Palácio, ou no Forum (não há bloggers em Aveiro?) ela aproximou-se dos que estavam junto ao palco e aplaudiam de braços erguidos. E com um deles dançou. Enquanto nós cantávamos
Ela ia a guiar o jipe por uma estrada do Alentejo a pensar nas encomendas e nos prazos de entrega, quando uma lagarta se lhe colou no vidro. Parou, ligou o limpa brisas, o jacto de água, fechou os olhos com força, uma vez e a seguir. A lagarta vogava agora num território indefinido, já dentro do carro, ou talvez fosse enorme e estivesse no espaço. Uma lagarta translúcida, anelada, suspensa num movimento de progressão. Quando pôde recomeçou a viagem. Trouxe a lagarta até casa. Telefonou a amigos. Foi ao Hospital e o médico disse-lhe que era grave, qualquer coisa da retina que ela não percebeu. Foi a outro médico que se riu do primeiro. Não, afinal era do vítreo e sem remédio.
A Taschen publicou um volume dedicado à filmografia de Truffaut. Ocasião para rever o puto de 400 coups a crescer, de aprender a roubar beijos, de tremer com a chegada da mulher do lado, de piscar o olho para o homem que gostava de mulheres (com cuidado), de correr para chegar a tempo ao último Metro. Em Setembro sai a edição em português.
Não sei se esta conversa se esgotou ou não. Faço votos para que continue, aqui, e em outros palcos.
O MilFolhas de hoje dá a notícia. Daniel C. Dennett estará em Lisboa no final da próxima semana e dará duas conferências. Dennett é autor de Brainstorms, Brainchildren, Elbow Room, Consciência Explicada, A Idéia Perigosa de Darwin e Freedom Evolves (2003). É o director do Centro de Estudos Cognitivos da Tufts University e vive em North Andover no Massachusetts. O Sunday Times classificou-o como o Leonardo do Novo Renascimento. Freedom Evolves é uma reflexão sobre o determinismo e o livre arbítrio a partir da teoria da evolução, das neurociências, da Inteligência Artificial. A Filosofia dos nossos dias e um dos seus mais brilhantes intérpretes, o homem das barbas brancas, num Anfiteatro perto de nós. A não faltar, absolutamente.
Ela entrou e saiu sozinha sem prestar declarações para o povo que aquilo era uma reunião da família. Lá dentro pediu desculpa por ter reagido a quente e falado em golpe de estado. Soube do Santana pelos jornais. Se lhe tivessem dito alguma coisa antes. Não tem nada contra ele. Sempre era melhor um Congresso, mas se não puder ser. E já agora, tomem lá um brinde, a minha cabeça numa bandeja: já tinha sugerido ao primeiro a sua substituição. E para acabar: Que ninguém duvide do meu amor ao partido. Os plutocratas unidos rebentaram numa ovação.
Biografia
Estrella Morente é uma das filhas de Enrique, o animador da Factoria de Ideas Morente y Familia. Brilharam em Granada com a evocação da Niña de los Peines, um espectáculo de flamenco e Lorca. Tenho pena que não possam ver a foto de Sole Miranda que acompanha a notícia de El Pais (não se pode mesmo fazer nada, João, desde Lleida?). Estrella veste Loewe, esta muy flaca pero pletórica de talentos.
Zazie, parabéns. Ontem o JPP (infelizmente o Público não tem o texto on-line) disse o que outros calaram. A unanimidade do CC do PMV-npe (Partido Mais Votado nas penúltimas eleições) foi comovedora. O silêncio dos plutocratas, eloquente. Só me lembro de uma coisa pior. O aspecto da direcção do PMV-nue(Partido Mais Votado nas últimas eleições) na reunião do seu CC, na véspera, noutro hotel, na mesma capital.